A Consolação da Filosofia

Luiza Valeria Canales Becerra


 Figura 1 - Boécio e a Filosofia – MattiaPreti, Fonte: britannica.com

A Consolação da Filosofia é o único livro escrito por Manlio Severino Boécio, senador romano que viveu no século VI d. C. Na sua juventude, Boécio dedicara-se a escrever manuais sobre música e matemática inspirado em fontes gregas. Deve-se a ele a tradução das obras de lógica de Aristóteles, o que permitiu aos ocidentais o acesso a estas no início da Idade Média.
Seu único livro foi redigido em 524, quando da sua condenação à morte pelo rei Teodorico, acusado de ter participado numa conspiração anti-ariana. A Consolação é constituída por cinco livros. Neles, alternam-se passagens em prosa e verso, e Boécio dialoga com a Dama Filosofia que lhe surge na prisão.
O que se segue então é um diálogo entre uma alma atormentada pela injustiça da existência mundana com a Filosofia, que procura colocar este sofrimento em um contexto maior onde a aparente injustiça se encaixe em uma ordem que transcende nossa existência e que revela a perfeição da obra divina.
O livro I trata justamente das lamentações de Boécio e o início do diálogo com a Filosofia. Ela mostra que o primeiro passo para a cura é entender e expressar a própria doença,e Boécio o faz. Ela o conforta ensinando que é a incapacidade do homem de conhecer a natureza de si mesmo e das coisas a seu redor que gera sua infelicidade; portanto é papel da filosofia fazê-lo conhecer a ordem em que vivemos e libertar o homem de sua ignorância.
O livro II trata do papel do destino, ou seja, das coisas que nos acontecem, boas ou ruins. Segundo a Filosofia, o sofrimento não vem das coisas em si, mas das nossas falsas expectativas e incapacidade de perceber que a busca da felicidade fora de nós mesmos é um erro. O homem precisa se conhecer e viver para sua integridade se quiser se libertar do domínio do destino. O destino na verdade é um instrumento divino para ajudar o homem no seu caminho de volta para Deus, fazendo-o vencer e superar seu próprio desconhecimento.
No livro III, o tema é o propósito das coisas e especialmente do homem. Retomando um tema caro a Platão e Aristóteles, a Filosofia argumenta que o destino final do homem é a felicidade verdadeira e não o que normalmente se considera como felicidade. Ela cita cinco falsas felicidades: riqueza, posição, poder, fama e prazer. Longe de ser um verdadeiro bem, são falsas realizações, que afastam o homem da felicidade justamente por se assemelhar a ela, mas devido à sua temporalidade, acabam levando-o apenas ao sofrimento e infelicidade. O fim de todas as coisas é o supremo bem, a combinação de todas as virtudes, ou seja, Deus.
O livro IV trata da infelicidade do homem. A injustiça que observa e experimenta é ilusória e entendida desta forma apenas por sua incapacidade de ver o quadro completo da sua própria existência. Através da sedução dos prazeres efêmeros o homem passa da virtude ao vício em um processo destrutivo que ao invés de libertá-lo o conduz a prisão de sua existência material. Apenas a bondade é capaz de guia-lo no caminho da verdadeira liberdade. A bondade eleva o homem acima do nível da humanidade, enquanto a maldade o rebaixa ao nível dos animais. É pelo conhecimento da própria natureza que o homem se torna efetivamente humano, essa é sua essência. A natureza do homem, portanto, é ser bom. A sua incompreensão da justiça divina é consequência de sua incapacidade de contemplar a ordem divina. Deus não deixa nada sem punição devida, da mesma maneira que o bem sempre será recompensado. 

Acaso existe algum homem que possua uma felicidade tão perfeita que não se queixe de algo? A felicidade terrestre traz sempre consigo preocupações e, além de nunca ser completa, sempre tem um termo.

E finalmente, o livro V trata de uma questão que sempre angustiou o homem, a questão do livre arbítrio. Como se pode conciliar a imagem de um Deus que tudo controla e tudo sabe com a liberdade do homem? Como podemos ser livres se nossas ações são pré-determinadas? A Filosofia argumenta com Boécio que a confusão do homem sobre essa questão deriva dos limites de sua razão, que não consegue atingir a inteligência divina. O processo de conhecimento do homem começa pelos sentidos, passa pela imaginação até chegar ao uso da razão e finalmente na inteligência. As duas primeiras, o homem compartilha com os demais animais, a razão é exclusivamente sua e a inteligência é divina. O processo de passagem da razão para a inteligência é justamente a ascensão do homem em direção a Deus. A ideia do tempo, como sucessão de acontecimentos sobre uma espécie de linha, com passado, presente e futuro, é produto do limite de sua razão e de sua existência finita. Deus, que é infinito, e esta fora da escala do tempo, não está sujeito a esta sucessão, para Ele tudo é um eterno presente por isso experimenta no presente o que o homem já fez, está fazendo e o que fará. 


REFERÊNCIAS:

BOÉCIO. A consolação da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

HIRSCHBERGER, Johannes. História da filosofia na Idade Média. São Paulo: Herder, 1966.

KENNY, Anthony. História Concisa da Filosofia Ocidental. Lisboa: Temas e Debates, 1999.

caminhadafilosofica.com

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