DEGRADAÇÃO AMBIENTAL E POVOS ANTIGOS

Por: Marcelo Domingos Leal


Figura 01 – Pueblo del Chaco Canyon: 



RESUMO
A relação homem/meio ambiente tem sido conturbada desde que pudemos ser considerados “Homo sapiens sapiens” ou seres humanos”. Tentando mostrar algumas destas relações, veremos exemplos de como as antigas civilizações tratavam o meio do qual dependiam, e que resultados obtiveram disso. 
RAPANUI, ANASAZI E AS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS – DISTANTES NO TEMPO E NA GEOGRAFIA, LIGADOS PELA DEGRADAÇÃO AMBIENTAL

Não faltam exemplos sobre as consequências devastadoras para o homem quando ele explora os recursos naturais sem observar que estes são limitados. Num passado não muito distante, civilizações inteiras pagaram um preço muito alto por não terem considerado a hipótese do esgotamento dos recursos naturais que a permeavam. A Groelândia Norueguesa, Os Petras na atual Jordânia, os Rapanui na Ilha Rapa Nui (Ilha de Páscoa), os Anasazi e os Cahokia, na atual fronteira dos EUA com o México, os Maias na América Central, as sociedades Moche e Tiwanku na América do Sul, a Grécia Micênica e Creta Minóica na Europa, o Grande Zimbábue na África, as cidades de Angkor Wat e do Vale Hindu Harappan na Ásia, entre outros povos, são algumas das muitas sociedades antigas que entraram em colapso ou desapareceram, deixando atrás de si, um conjunto de ruínas monumentais.

O termo colapso significa um declínio drástico na dimensão da população e/ou na complexidade política, econômica e social, numa área considerável e durante um período de tempo prolongado. O fenômeno dos colapsos é, assim, uma forma extrema de vários tipos de declínio, dentre os quais está o ambiental.

Estas sociedades antigas deixaram um legado maravilhoso de estátuas, cidades e obras monumentais, que hoje se encontram abandonadas à própria sorte. E será que algum dia outras sociedades irão ficar estarrecidas, completamente confusas perante as gigantescas estruturas decadentes de arranha-céus, pontes e estádios deixados por nós, como nós nos impressionamos com as ruínas das sociedades Maias conquistadas pela selva?

Há tempos que se suspeita que muitos desses abandonos misteriosos se deram, pelo menos em parte, a problemas ecológicos: os homens destruíram inadvertidamente os recursos naturais dos quais as suas comunidades dependiam.

Esta suspeita de um suicídio ecológico involuntário – ecocídio – tem sido confirmada por descobertas feitas nas últimas décadas por arqueólogos, climatologistas, historiadores, paleontólogos e palinologistas (cientistas que estudam o pólen). Porém, o ecocídio, não foi o principal fator em todas as sociedades antigas que entraram em colapso, mas com certeza contribui para o declínio de todas elas.

Alguns fatores são necessários para que um ecocídio seja identificado como parte de um colapso social, veja alguns deles:

Desmatamento e destruição do habitat natural;
Problemas com o solo (erosão, salinização e perda de fertilidade);
Problemas com a gestão dos recursos hídricos;
Caça e pesca excessiva;
Efeitos da introdução de novas espécies sobre as espécies autóctones (espécies nativas);
Aumento demográfico desenfreado; e
Aumento per-capita do impacto dos seres humanos, ou seja, a pegada ecológica.

Tente imaginar todos estes fatores unidos, juntamente ao caos social, as crenças religiosas, e outros: pronto, mais uma sociedade enfrentando um colapso, situação da qual podemos estar mais perto do que acreditamos. São dois os exemplos que iremos ler nos subcapítulos abaixo, os Rapanui, e os Anasazi, sendo que vamos tentar fazer uma analogia com os dias atuais, com o que estamos fazendo com o meio ao qual estamos inseridos.


Os Rapanui e a Ilha Rapa Nui (Ilha de Páscoa)

“Extraordinariamente fértil, com produção de banana, batata, cana-de-açúcar de espessura notável e muitos outros frutos da terra. Essa nação, no que diz respeito a seu solo rico e bom clima poderia ser transformada em um Paraíso Terrestre, caso trabalhado e cultivado de forma adequada”.
Jacbo Roggeveen

Este é um dos relatos (bem contrário aos posteriores como você verá a seguir no decorrer do texto) de Jacob Roggeveen um explorador holandês que levou os primeiros europeus a aportar na Ilha de Páscoa (a ilha leva este nome em ocasião da época de sua descoberta, a Páscoa). Estas palavras nos levam a crer num cenário de desenvolvimento e prosperidade por parte dos rapanui, os habitantes da Ilha de Páscoa.

Esta ilha, chamada pelos seus nativos de Rapa Nui, fica no Oceano Pacifico, distante 3.700 km da costa chilena, na América do Sul, e cerca de 2.000 km oeste da ilha de Pitcairn (esta ilha pertence ao complexo de ilhas polinésias). Com uma área de aproximadamente 170 km² Rapa Nui fica um pouco ao sul dos trópicos, o que significa que seu clima é menos convidativo que o de muitas ilhas tropicais do Pacifico. Ventos fortes e imensas oscilações no índice pluviométrico dificultam a agricultura. A fauna é extremamente limitada, sendo que encontramos na ilha poucos vertebrados terrestres nativos, além dos trazidos pelos habitantes locais e exploradores (porcos, gatos, cachorros e galinhas). 

Muitas das espécies de pássaros do gênero Jubaea cobriam a maior parte da ilha, porém estas também desapareceram. Uma pesquisa recente encontrou cerca de 48 espécies de plantas nativas, sendo que destas, 14 foram introduzidas pelos rapanui.

Neste lugar, vive uma civilização de cultura extraordinária que foi capaz de construir estátuas gigantes, com cerca de 10 metros de altura: os moais. Não podemos dizer que os rapanui desapareceram totalmente, mas tiveram grande parte de sua população dizimada por processos que vamos tentar analisar a partir deste texto.

Em 1722 chegam à ilha os “colonizadores” europeus, conduzidos pelo holandês Jacob Roggeveen, e ao chegar a esta, segundo relatos, depararam-se com uma civilização em decadência. Mas isto não contradiz a descrição feita por Roggeveen citada parágrafos acima? Sim, mas na historia da Ilha de Páscoa muitas contradições ainda persistem e relatos confusos foram gerados por vários visitantes. Depois do estudo de vários arqueólogos, chegou-se a uma “hipótese” sobre o que havia acontecido com os rapanui, e o que teria sido responsável pelo colapso de sua civilização. Esta hipótese diz que os rapanui chegaram à ilha por volta do século IX D.C. com um grupo de pequenos colonizadores, e cerca de 300 anos após um crescimento populacional exagerado aliado a devastação ambiental, levou a um colapso ambiental, ocasionando assim, um “ecocidio”. Este colapso levou parte da população a morrer de inanição e a praticar o canibalismo.

Porém esta teoria hoje já não recebe o total apoio da comunidade cientifica, e novos dados nos dão outras direções acerca do que pode ter acontecido aos rapanui. Datações de carbono e dados paleoambientais feita pelas equipes de pesquisa do professor do Departamento de Antropologia da Universidade do Havaí em Manoa, Terry Hunt, estão lançando uma nova perspectiva sobre a Ilha de Rapa Nui. Segundo estas análises, a data de chegada dos primeiros colonizadores na ilha não é de cerca de 900 anos D.C., e sim cerca de 1.200 anos D.C. Esta chegada, segundo um consenso geral dos pesquisadores, se deu na praia de Anakena, uma das poucas áreas que não é representada por penhascos e despenhadeiros. Dados coletados nesta parte da ilha demonstram que após sua chegada, esta população começa a crescer, e a construir os ahus (plataformas) e moais (as famosas estátuas gigantes). 
Porém, estes colonizadores não chegaram sozinhos a ilha, trazendo consigo cachorros, galinhas e uma espécie de rato, o rato polinésio, estes dois últimos para sua alimentação. O rato polinésio, hoje já extinto na ilha em decorrência da competição com o rato comum europeu, pode ter sido um dos responsáveis também pela degradação ambiental do local. Estes se alimentavam da semente da palmeira do gênero Jubaea, alterando assim significativamente sua taxa de reprodução, e de possível reposição no meio ambiente. 

Imaginem uma população de ratos procriando sem limites, com uma quantidade absurda de alimento (as sementes de Jubaea), e com apenas um predador, o homem. Bem, analisando estes fatos podemos estabelecer uma cronologia para a devastação ambiental na Ilha Páscoa, veja a seguir:
Por volta de 1.200 D.C. os rapanui chegam à ilha trazendo como “bagagem” cachorros, ratos polinésios e galinhas. Humanos e ratos, começam a se desenvolver, e os ratos sem predadores naturais;
Com o passar do tempo à população local continuou a crescer e a utilizar os recursos naturais da ilha, cortando árvores para sua subsistência, para a construção das famosas estátuas e queimando áreas para plantio. Os ratos continuam sua expansão pela ilha;
Em meados de 1350 a população atinge o numero de 3.000 pessoas, e a pressão exercida ao meio ambiente local torna-se maior. Lembre-se que a população de ratos continua a crescer exponencialmente, e poderiam ter chegado a uma densidade demográfica de cerca de 182 indivíduos por m², continuando a consumir as sementes das palmeiras nativas da ilha;
Mais alguns anos entre 1650 e 1700, a paisagem da ilha já era totalmente desfigurada e a madeira já não é mais usada para fazer fogo por um simples motivo: ela não existe mais. Capim e plantas são utilizados como fonte de queima e a população se mantêm estável, em cerca de três mil pessoas;
Em 1722 desembarcam os primeiros europeus e encontram uma população de cerca de três mil pessoas sobrevivendo em uma ilha com boa parte dos recursos naturais já findados.

Mas além destas, outras causas colaboraram para o colapso social dos rapanui. Conflitos com os europeus, a retirada de mais de 1.000 rapanuis para servirem de escravos assim como doenças também ajudaram a diminuir e muito a população local. Segundo relatos quando chegou a Rapa Nui, Roggeveen levou consigo mais de 100 homens armados com mosquetes, pistolas e cutelos. Logo após desembarcar escutou vários disparos e ao olhar para trás deparou-se com 12 habitantes locais mortos e muitos outros feridos. Indagando o que havia acontecido, seus homens lhe disseram “eles desferiram sinais ameaçadores contra nós senhor”. Na década de 30 o etnógrafo francês Alfred Metraux visitou a ilha e mais tarde descreveu o fim de Rapa Nui como sendo “uma das atrocidades mais medonhas cometidas por homens brancos nos Mares do Sul”.

Portanto não podemos dizer que houve apenas uma catástrofe ambiental em Rapa Nui, e sim uma serie de vários fatores como degradação ambiental e miopia humana. A ilha permanece ate hoje como eles a deixaram, completamente devastada e com aquelas estatuas gigantes postadas de frente para o oceano como quem quer nos dar um recado: “Psiu! Os recursos naturais são finitos, mas a ignorância humana não!”.

Os Anasazi: Arquitetos de sua Própria Destruição

Pouco se sabe sobre as populações nativas do Novo México, nos EUA, anteriores a 1.300. Hoje em dia um destes povos em especifico é conhecido como Anasazi, um termo cunhado pelos índios Navajo, e que significa “os antigos” ou “os antigos inimigos”. Os Anasazi cultivavam milho, abóbora, e feijão nos vales frescos dos canyons das montanhas Pajarito. Sabe-se também que caçavam ursos, veados, texugos, e outros animais selvagens americanos. São também conhecidos pela fabricação de potes de barro arredondados e adornados por traços de uma estética muito própria, e pela construção de magníficas estruturas que serviam como morada, templos e locais de reuniões.

Espalhados pelo solo do Novo México estão as cavernas que em tempos longínquos foram habitadas pelos Anasazi. Estas se estendem ao longo dos inúmeros canyons por muitos quilômetros, como dedos saindo das montanhas Pajarito (um vulcão pré-histórico), que formam os Los Alamos. Estas formações são adornadas por estranhíssimos petrogrifos (inscrições rupestres, que podem ser consideradas como o despertar da arte nas selvas, e os primeiros ensaios artísticos do homem primitivo). Estas inscrições nos transportam a uma realidade pré-histórica completamente diferente da europeia. Além dos vasos e das pinturas rupestres nas cavernas, os Anasazi são os responsáveis pelas maiores construções das Américas, os Pueblos del Chaco Canyon, em pleno deserto do México, titulo este que se manteve até o final do século XIX. Estas construções feitas por volta do ano 900 d.C. é uma maciça arquitetura de cinco andares, com cerca de 650 a 800 habitações, 43 salões cerimoniais, tendo como tamanho mais de 201 metros de comprimento por 95 de largura. O Pueblo podia alojar cerca de 3 mil pessoas e consumiu em sua construção cerca de 200 mil troncos de arvores de 5 metros cada, além de cerca de 50 milhões de pequenos blocos de pedra. Chaco Canyon era apenas o maior de vários pueblos similares construídos pelos Anasazi.

Por volta do século XVI após conquistarem as Américas, os espanhóis chegam ao que viria ser hoje o Novo México, e encontraram estas magníficas construções, porém sem nenhum vestígio dos seus construtores. Muitas perguntas surgiram a partir desta descoberta. Quem eram esses magníficos construtores? Para onde foi uma civilização tão avançada, e porque deixaram uma cidade intacta para trás? Por que esta cidade está construída no meio do deserto, a várias milhas de florestas, fontes de água e alimento? De onde vinha toda a madeira utilizada nestas construções?
Estas perguntas ficaram sem respostas por vários anos, até que surge a ciência da paleobotânica, e estes estudiosos decidiram obter mais informações sobre a vegetação da região do Chaco Canyon, descobrindo algo que parecia ser fictício: a madeira utilizada nas construções havia vindo dali mesmo. Mas analisando a região onde está a cidade dos Anasazi, o que podemos ver é apenas um grande deserto com uma vegetação arbustiva, sem grandes recursos hídricos e com uma fauna muito pobre. Porém se pudéssemos utilizar a viagem ao passado de Albert Einstein (sugerida no capitulo 1), e voltássemos a cerca de 700 d.C., veríamos uma bela floresta de árvores decíduas e de pinheiros, com rios e uma fauna muito mais rica do que a apresentada hoje (se você prestou atenção no texto, leu que os Anasazi caçavam ursos, texugos, veados e outros animais, que moravam nesta floresta).

Bom, então em cerca de 400 anos eles conseguiram devastar esse ecossistema inteiro? Isso mesmo! E tudo para atender a demanda crescente da população que não parava de aumentar. Para isso tiveram que intensificar o desmatamento para agricultura e consumo da madeira (para lenha e seus colossais “prédios de apartamentos”). Com o desmatamento desordenado, o solo acabou ficando nu e sem a proteção da vegetação, problemas de erosão e rebaixamento do lençol freático em vários metros foram apenas consequências. Com a falta de água e madeira, os Anasazi tiveram que andar cada vez mais para conseguir estes recursos e alguns arqueólogos seguindo seus passos chegaram à conclusão de que estes andavam até 80 km para buscar madeira, além de construir canais de irrigação numa tentativa desesperada de salvar suas lavouras.

Era o prenuncio de uma batalha perdida, e foram cerca de 300 anos de agonia ate que a civilização Anasazi desistisse de suas cidades, deixando elas para que fossem encontradas anos após pelos espanhóis, juntamente com o deserto do qual eles mesmos “construíram”. Alguns historiadores dizem que há indícios de conflitos violentos e canibalismo antes do final da civilização Anasazi, e analisando todos estes fatos, podemos concluir que os Anasazi foram os arquitetos de sua própria destruição. E olhando a nossa história hoje, como sociedade, será que estamos no mesmo caminho dos Anasazi?

Africanos, Americanos, Asiáticos, Europeus e Oceânicos – Sociedades Contemporâneas, Colapsos Recentes?

Desde que o homem atual, (Homo sapiens sapiens) surgiu em nosso planeta (derivando do Homo sapiens há cerca de 300 mil anos atrás segundo alguns cientistas) ele tem intensificado suas modificações no meio em que viveu,e que vive até hoje. Sabemos que a aptidão para alterar o meio ambiente está relacionada com a capacidade intelectual e organizacional de cada civilização, e isto vem crescendo conforme novas tecnologias surgem a cada dia. Os processos iniciais de modificação ambiental foram simples, e contaram apenas com a domesticação de animais. O fato de deixar os costumes nômades e se fixar em locais que propiciassem a agricultura e a segurança a estas populações também foi um fator decisivo. Dominados estes requisitos, os homens passam a modificar mais drasticamente o meio em que se estabeleceram, com a agricultura, a poluição, o desmatamento, as queimadas, as construções de vilarejos ou vilas entre outras formas de atuação.

Começam então a perceber, porém, de uma forma ainda não muito clara, que os recursos naturais são finitos. Mas esta concepção ainda é que estes recursos findavam apenas localmente e que o planeta era extremamente grande e com recursos inesgotáveis. Conforme estes povos crescem e se organizam, começam a surgir civilizações (civilização é o estagio da cultura social e da civilidade de um agrupamento humano caracterizado pelo progresso social, cientifico, político, econômico e artístico) que já possuem uma técnica de domínio da agricultura, da domesticação, e da capacidade de transformar o meio ambiente muito grande.

Dentre estas civilizações podemos citar os egípcios, os babilônicos os perso-medos, os romanos, os gregos, os assírios, os chineses, os mongols, etc... No caso dos egípcios que se instalaram às margens e na foz do rio Nilo, temos como exemplo o uso desordenado do solo, o que acarretou num desgaste do mesmo, causando a queda da produção agrícola, sua principal atividade. Os povos europeus como gregos e romanos durante séculos utilizaram os recursos que as florestas lhe forneciam, além de metal, pedras preciosas e outras fontes de recursos naturais levando assim ao começo da degradação ambiental que se estendeu pela Europa até os dias atuais. Nas Américas, os Maias, os Moches, os Anasazis, e nossos próprios ameríndios, foram grandes devastadores, desmistificando assim, a imagem de que os povos antigos de qualquer lugar no planeta não agrediam o meio em qual viviam. Mas e no caso do território que denominamos Brasil. Nós brasileiros somos um povo que zela pelos nossos recursos naturais? Será que os índios que aqui viviam em nada alteraram o meio ambiente?

Quando Pedro Alvarez Cabral chega ao então futuro Brasil (chamado por ele primeiramente de Ilha de Vera Cruz e depois Terras de Santa Cruz) para um domínio territorial (desconsidere então aqueles capítulos dos livros didáticos que relatam a descoberta do Brasil), encontra aqui o que os naturalistas chamaram de fauna e flora virgem, quer dizer sem nenhuma influencia humana, e com todas as espécies ainda no estágio natural da “criação”. Mal eles sabiam que nossos índios, os também classificados como “Bons Selvagens”, já haviam extinguido uma série de espécies e desmatado uma parte significativa de nossas hoje famigeradas Florestas Atlântica, Amazônica e Cerrado. Os Guaranis, por exemplo, praticavam a coivara que consistia em queimar a vegetação antiga para o plantio de mandioca, por exemplo. Esta prática era boa há curto prazo, pois as cinzas da queima forneciam nutrientes as plantas, mas todos os nutrientes do solo eram prejudicados com a queimada e isso contribuía para um desgaste mais acelerado do mesmo. Mas os indígenas, que eram cerca de 2 a 4 milhões em nosso país, não tinham a tecnologia e o aprimoramento destrutivo que nos temos hoje em dia, além do que somos cerca de 200 milhões de pessoas. Eles desmataram, extinguiram e destruíram sim, mas em uma taxa muito menor do que nós, homens contemporâneos e “civilizados”.

Após a chegada dos açorianos e dos espanhóis começou a exploração dos recursos naturais desta nova e rica terra, o Brasil. Esta exploração se da em várias frentes como a retirada de Pau-Brasil (Caesalpinia echinata), a primeira das atividades realizadas pelos portugueses no século XVI, para uso de sua resina e pigmento na indústria têxtil europeia. O ouro, um dos ciclos de exploração do Brasil, foi uma das vedetes do desmatamento e enriqueceu países como Portugal, Inglaterra e Holanda. Mas nenhuma destas formas de agressão ao meio ambiente foi tão intensa quanto à extração de madeira para exportação, e a derrubada de florestas inteiras para o desenvolvimento da agricultura. Com o crescimento da população, a necessidade da produção de alimento e a exportação de café e erva-mate para a Europa, nossas florestas foram dando lugar a enormes latifúndios agrícolas. E assim fora “colonizado e civilizado” nosso Brasil, apoiado na degradação ambiental, na morte de milhões de índios e na escravidão negra. Agora pense, devemos ser um povo orgulhoso disso, não?

Do que a terra, mais garrida,
Teus risonhos, lindos campos tem mais flores;
“Nossos bosques têm mais vida”,
“Nossa vida” no teu seio “mais amores”.

A cada vez que bradamos este estrofe de nosso Hino Nacional, sinto que falta algo nessa passagem em nossa realidade. Nossos bosques não possuem mais vida, ou se as possuem, estão extremamente prejudicadas pela nossa ganância e ignorância. Nossos lindos campos ainda conservam flores, porém transformamos florestas em campos para pastagens e plantio de monoculturas, então perdemos uma boa parte do que havia de mais lindo em nosso país, a biodiversidade. Dramático não? Porém, estas palavras condizem sim com nossa realidade atual, e posso apresentar alguns dados interessantes a você, e quem sabe uma análise diferente de nossa história surja em sua consciência.
Em 1500 quando ocorre a “descoberta” do Brasil, a Floresta Atlântica cobria uma área de cerca de 1.306.000 km², e esta magnífica cobertura vegetal estendia-se desde o Rio Grande do Norte até a metade do estado do Rio Grande do Sul, com vários domínios diferentes, além de uma fauna e flora extremamente rica. A Floresta Atlântica pode ser representada pela Zona de Mata da Bahia, pela Floresta com Araucária no Paraná, pela Floresta Semidecidual paranaense e paulista, entre outras. Aliás, a Floresta Atlântica é uma das maiores áreas de biodiversidades do planeta, e junto com as Florestas da Malásia e as Florestas Equatoriais, correspondem a uma boa parcela da biota mundial. Hoje a Floresta Atlântica está representada por apenas 7% da sua cobertura original, e grande parte desta perda se deu pelo fato de que nossas principais cidades estão incrustadas em cima destas florestas. 

Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Vitória, Blumenau, Belo Horizonte, Londrina, Campinas, Maringá, Foz do Iguaçu, entre varias outras, estão em áreas onde antes existiam grandes florestas. Além disso, muitos outras áreas verdes foram derrubadas para uso agrícola, para extração de madeira e minérios, ou por pura ignorância. No caso do uso para agricultura, alguns cientistas estimam que cerca de 30 a 40% das áreas derrubadas para estes fins acabam sendo abandonadas por má utilização do solo.
Mas se você ainda não se convenceu podemos observar alguns dados sobre a Amazônia então. Apenas nos anos de 2004 e 2005 foram apreendidos cerca de 701 mil m³ de madeira em tora (fora a madeira já beneficiada), 47 tratores, 171 caminhões e 531 moto serras utilizadas no desmatamento ilegal. Além de que mais de 2,3 bilhões de reais foram emitidos em multas (das quais mais da metade não devem ter sido pagas). Entre o período de 2004/2005 a Amazônia brasileira perdeu cerca de 16.570 km² uma área que corresponde a 1/3 do território da Holanda que possui cerca de 41.526 km².
No caso dos recursos hídricos a situação não e muito diferente, nem tão pouco animadora. O Brasil possui a maior disponibilidade hídrica do planeta, ou seja, 12,8% do deflúvio médio mundial. E praticamente toda esta água esta retida em três grandes unidades hidrográficas: as bacias do Amazonas, São Francisco e Paraná, onde estão concentrados cerca de 80% da produção hídrica do país. Estas bacias juntas cobrem cerca de 72% do território brasileiro, dando-se destaque à Bacia Amazônica, que cobre 57% da superfície do País. Mas embora tenhamos uma quantidade de água doce extremamente grande, muitos brasileiro sofrem com a falta de água ou com a má qualidade deste recurso hídrico. Isto se deve a excessiva poluição, desmatamento e falta de programas de saneamento básico. O grande desenvolvimento dos processos erosivos do solo, aliados a retirada da cobertura vegetal das bacias hidrográficas, produz uma queda da produtividade natural, o que futuramente ira acarretar aos futuros brasileiros, sérios problemas de gestão de recursos hídricos.
Agora, analisando o texto acima e pensando nos 500 anos “maravilhosos” que se passaram, podemos fazer algumas perguntas: O que fazemos hoje com o ambiente que nos cerca? Como estão nossas florestas e sua fauna? Nossos recursos hídricos como andam? Nossa sociedade está em colapso? A resposta é: Acho que ainda não, e esta ainda é uma realidade mundial! Porém se continuarmos a tomar as mesmas decisões quem sabe podemos chegar ao mesmo estágio de colapso alcançado por povos como os Anasazis, Maias, Rapanuis, Petras entre outros. Então somos sim donos do nosso futuro ambiental e social, porém temos de entender que necessitamos caminhar lado a lado com o planeta, e que dependemos sim dele, e não ao contrário. Não podemos mais criar um “Poema Perfeito”, pois a criação não faz parte de nossa capacidade como meros humanos, mas podemos ainda conservar ou salvar um pouco, ou muito do “Poema Imperfeito” que herdamos de nossos antepassados.

PARA SABER MAIS:


FERNANDEZ, F. A. S. O Poema Imperfeito: Crônicas de Biologia, Conservação da Natureza, e seus Heróis. 2. ed. – Curitiba – PR. Ed: Universidade Federal do Paraná, 2004.

REFERÊNCIAS


DEAN, W. A Ferro e Fogo. 1. ed. – São Paulo – BR. Ed: Companhia das Letras, 2002.
DIAMOND, J Collapse: How Societies Choose to Fail or Survive. 1. ed. – London – UK. Ed: Penguin, 2006.
FERNANDEZ, F. A. S. O Poema Imperfeito: Crônicas de Biologia, Conservação da Natureza, e seus Heróis. 2. ed. – Curitiba – PR. Ed: Universidade Federal do Paraná, 2004.
HUNT. T. L. O colapso dos rapanui. Revista Scientific American Brasil. Ano 5 n° 57 – p. 62-70. fev. 2007.
WOEHL, G JR. Degradação Ambiental por Povos Antigos. Pesquisador e Coordenador de Projetos do Instituo Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade – Guamirim – SC.

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